E a vocês, pessoas que escrevem, não vos acontece como a mim, que depois de andar a vasculhar no baú daquilo que escrevo, encontro pedaços perdidos de pequenos ou grandes textos, que quando os vou ler só penso, oh jesus, fui eu que escrevi isto? Não por estar mauzinho mauzinho, mas por até considerar que dava o início de uma bela história?
É nisso que vou apostar hoje. Encontrei este amigo e vou dar-lhe um bocadinho de vida.
O dia estava extraordinariamente quente.
Abri a janela do quarto, para que o sol entrasse, desinibido. Mas antes de sair
deixei-me ficar ali por momentos, a olhar o pouco de paz que ainda fazia parte
da minha vida. Sempre gostara daquela casa. Arejada e cheia de sol, não dava
vontade de coisa nenhuma a não ser ficar de manhã à noite sentada no baloiço a
apreciar as árvores e borboletas que se deixavam embalar pela delicia do tempo.
Era uma boa casa. Evocava tantas e tão boas memórias, a cada canto encontrava
uma história de embalar. Era uma casa que nunca perderia o seu brilho,
por muito longe que estivessem todas as suas razões para brilhar.
Ia ter saudades de tudo isto. Ia ter
saudades da roupa estendida de árvore a árvore, ia ter saudades do baloiço que já pertencera à infância da minha mãe, ia ter saudades de fugir das abelhas pelo
meio do mato e voltar a chorar porque me tinha cortado no meio das flores
campestres. Ia sentir saudades dos finais de tarde passados ao colo da minha
mãe, no meio de tanta vegetação a ouvir uma história de encantar.
Vou sentir saudades de tudo. Fechei a janela para que o quarto se
mantivesse fresco. Fechei a janela para manter presas naquela casa todas as
vidas que por ali se esfumaram.