segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Narrando #1

Olho-te discretamente, quando te concentras na tua escrita perfeitamente alinhada. Reparo no modo como desenhas as tuas frases, como moldas tão suavemente a caneta à tua mão. São esguias, magras, compridas. Vividas até. Encontro-te aqui mais vezes do que aquelas que esperava e perco-me contigo, mesmo sem reparares. Finjo estar atenta ao meu livro e ao meu café já frio. Não reparas em nada sem ser na tua própria sombra. Na tua doce perdição. Ah como eu gostava que levantasses os olhos. Como eu gostava que os cruzasses com os meus, só num instante, mesmo insensível, para poder absorver todos os cristais azuis que reflectes. Toda a luz, todo o calor. E a tua face, aconchegada num cachecol formalmente arranjado, parece pedra. Tudo em ti é desenhado, delineado com a maior preciosidade e delicadeza. Encurvas o canto da boca, num sorriso discreto e nem tu próprio reparas. Concentrado, remexes folhas, organizas, encerras. Ficas pensativo num momento. Olhas ao fundo mas nada vês porque os teus olhos estão baços. Aprecio-te, uma vez mais. Nem por um segundo. Pego nas coisas e levanto-me, mas nem isso te chama a atenção. Permaneces. Até um dia.

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