Olho-te discretamente, quando te
concentras na tua escrita perfeitamente alinhada. Reparo no modo como desenhas
as tuas frases, como moldas tão suavemente a caneta à tua mão. São esguias,
magras, compridas. Vividas até. Encontro-te aqui mais vezes do que aquelas que
esperava e perco-me contigo, mesmo sem reparares. Finjo estar atenta ao meu
livro e ao meu café já frio. Não reparas em nada sem ser na tua própria sombra.
Na tua doce perdição. Ah como eu gostava que levantasses os olhos. Como eu
gostava que os cruzasses com os meus, só num instante, mesmo insensível, para
poder absorver todos os cristais azuis que reflectes. Toda a luz, todo o calor.
E a tua face, aconchegada num cachecol formalmente arranjado, parece pedra.
Tudo em ti é desenhado, delineado com a maior preciosidade e delicadeza.
Encurvas o canto da boca, num sorriso discreto e nem tu próprio reparas.
Concentrado, remexes folhas, organizas, encerras. Ficas pensativo num momento.
Olhas ao fundo mas nada vês porque os teus olhos estão baços. Aprecio-te, uma
vez mais. Nem por um segundo. Pego nas coisas e levanto-me, mas nem isso te
chama a atenção. Permaneces. Até um dia.
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